Evocou em Trancoso
Capitão Barros Basto – O “Apóstolo dos Marranos”

O II Festival Internacional da Memória Sefardita evocou ontem em Trancoso a memoria e o labor do Capitão Barros Basto, conhecido como o “Apóstolo dos Marranos” (descendentes dos judeus perseguidos pela Inquisição) reclamando Justiça e a sua reabilitação após a separação do exército de que foi alvo.

O bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto, conterrâneo do capitão fundador da “Obra do Resgate” e da Sinagoga do Porto (a família é originária de Amarante) explicou estar presente naquela qualidade e sobre tudo na de “cidadão” classificou o processo que levou à separação do homenageado (falecido em 1961) de “iníquo e injusto” sublinhando que se trata de uma situação “ escandalosa”.

Aliás, esta foi a opinião generalizada expressa pelo presidente da Entidade Turismo Serra da Estrela, Jorge Patrão, pela jornalista e escritora Miriam Assor, pelo Presidente da Comunidade Judaica do Porto, Ferrão Filipe, pelo jurista Francisco Almeida Garrett, pelos professores, historiadores e investigadores Jorge Martins e Elvira Meã e por Elisha Salas, rabino da Comunidade Judaica de Belmonte.

Marinho Pinto sublinhou que a viúva do capitão Barros Basto tenha pedido “Justiça” no período democrático pós-25 de Abril  e que tal tenha sido recusado, o que lamentou.

Classificou o caso do capitão Barros Basto como o “Caso Dreiffus português” expressando que , no caso da França “ fez-se Justiça enquanto que em Portugal isso não aconteceu até hoje”.

O Presidente da Comunidade Judaica do Porto, Ferrão Filipe, chamou a atenção que, aquando do estabelecimento da Inquisição (no reinado de D. João III, em 1536), uma terça parte da população portuguesa era judia e que foram os seus descendentes que o capitão barros Basto quis fazer retornar “à sua identidade Judaica”.

Reclamou a “reabilitação humana, militar e civil” de Barros Basto.

Foi ainda interveniente Isabel Lopes, neta do Capitão Barros Basto, que evocou a obra e o trabalho desenvolvido pelo fundador da “Obra do Resgate” recordando ainda os percursos que o avô realizou em busca dos “marranos” sobretudo na Beira Interior e Trás-os-Montes, a criação das sinagogas de Bragança, Pinhel e Covilhã, tarefa que, mercê das perseguições de que foi alvo.

O capitão Artur Carlos de Barros Basto faleceu em 1961, sem ter sido reabilitado pelo Exército Português da decisão de 1943 do Ministro da Guerra que o exonerou das suas funções de oficial, por ser judeu e um activo defensor da tolerância religiosa, e dos Marranos em particular. A sua reabilitação, apesar de vários pedidos, continua por acontecer.

Nascido no Porto em 1887, foi educado dentro do cristianismo, apesar de mas na juventude ao tomar conhecimento da sua ascendência judaica (era de uma família de marranos de Amarante, e o seu avô era ainda um membro praticante da comunidade) inicia uma aproximação, primeiro teórica, e com a vinda para Lisboa, prática.

O presidente da Entidade Turismo Serra da Estrela, Jorge Patrão, estimou no final desta sessão que marcou o encerramento do II Festival Internacional da Memoria Sefardita , que cerca de 1.500 pessoas tenham assistido a esta iniciativa que decorreu  em Belmonte, Guarda e Trancoso.

Sublinhou que este Festival organizado por aquela Entidade em cooperação com os Municípios, atingiu ma dimensão assinalável e tem contribuído para a evocação, estudo e debate de personalidades portuguesas que se distinguiram no mundo judaico ou na causa judaica, entre os quais Gracia Mendes Nasi, o Cônsul de Bordéus Aristides Sousa Mendes, o medico e escritor Isaac Cardoso, os “justos portugueses na II Guerra Mundial “ Carlos Sampayo Garrido e Alberto Branquinho, na Hungria e o Capitão Barros Basto.

“É um legado para os jovens que hão-de prosseguir o nosso trabalho”, expressou.

Sobre a Rede Nacional de Judiarias, Jorge Patrão disse que existem cerca de uma dezena de Municípios que manifestaram interesse em aderir a esta Associação o que, a concretizar-se e conjuntamente com os já integrantes, corresponde a 10% dos Municípios do país que têm “vontade de participar neste movimento”.

O Presidente do Município de Trancoso Júlio Sarmento, realçou por seu turno significado desta evocação ao capitão Barros Basto como um exemplo “ de um homem que realizou uma obra, teve um sonho de trazer à identidade judaica os marranos portugueses”.

Júlio Sarmento aludiu à Associação da Rede de Judiarias de Portugal afirmando que “já muitos Municípios que entendem que reabilitar os Centros Históricos não é plastificar o seu património”.

Defendendo “uma sociedade de tolerância e de liberdade onde seja possível que as comunidades convivam com  seu passado” o autarca de Trancoso enalteceu o exemplo do Capitão Barros Basto como uma referência .

No âmbito do Festival foi inaugurada em Trancoso, uma Exposição do Espolio do Capitão Barros Basto (Convento dos Frades).